domingo, 27 de junho de 2010

Não seja tão dramático!







Encerramos no dia 24 de junho a primeira etapa do Ciclo de Estudos da Dramaturgia Contemporânea. Foram 11 encontros produtivos, onde pudemos ler e discutir peças teatrais e textos teóricos.

O blog nasceu do desejo de centralizar parte das informações e acabou se tornando uma espécie de Ciclo paralelo, local de veiculação de reflexões, traduções, compartilhamentos e publicação dos textos ficcionais criados pelo grupo. O exercício das postagens foi produtivamente complementado por sua leitura crítica e redação de comentários, de forma a se estabelecer um diálogo que, na maioria dos casos, ultrapassou o juízo de valor e a apreciação puramente subjetiva para alcançar o status de análise e contribuição.

O blog está aberto para novas postagens mesmo durante as "férias" do Ciclo, portanto não chore. No segundo semestre ele deve adquirir novos contornos na medida em que mudarem os participantes e as propostas. Seus objetivos, porém, permanecerão os mesmos e, quem sabe, possa receber contribuições externas

Obrigada por prestigiar nossa tentativa eletrônica de ferir a pedra.

(Adélia Nicolete)

terça-feira, 22 de junho de 2010

Sarah Kane - Psicose 4h48



Nosso Ciclo encerra sua primeira fase com a análise do texto Psicose 4h48 da dramaturga, atriz e diretora britânica Sarah Kane.


Coincidência: amanhã, 23 de junho de 2010, faz dez anos que o texto estreou no Royal Court Theatre em Londres. Esse teatro, conhecido mundialmente pelos programas de fomento à nova dramaturgia, foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento e divulgação da obra de Sarah Kane.


A escolha de Psicose 4h48 como o último de nossos textos não foi por acaso. O estudo que começou com as reflexões sobre a pós-modernidade e foi atravessado por Artaud, Gertrude Stein, Brecht, Beckett, Kroetz e Müller encontra agora na dramaturgia de Sarah Kane sua culminância. Nessa peça é possível identificar claramente a temática que nos tem acompanhado desde março: o homem contemporâneo. É possível encontrar nela elementos, princípios, procedimentos, ideias de cada um dos autores estudados (e tantos outros mais), de modo que Psicose 4h48 vem carregada de ancestralidade – humana e estética.


Por isso penso que analisar a peça como carta de uma suicida, como tem feito alguns, me parece subjetivá-la demais. Limitá-la a desbordamento das neuroses de sua autora é desconsiderar toda sua trajetória artística. Seria como atribuir as obras de Artaud a seus problemas, ligando obra a disfunções, quando, a meu ver, o artista cria apesar dos problemas que enfrenta – problemas de qualquer ordem. E há inúmeros nomes que poderíamos citar. Artistas da fome, do medo, da repressão, da loucura, do preconceito.


Sarah Kane foi uma artista de seu tempo. Transgrediu a forma porque o conteúdo o exigia: violência, guerra, abusos de toda espécie. Foi criticada por isso. Sua primeira peça, Blasted (1995) foi a menos vista e a mais comentada de Londres, segundo um crítico, mas foi suficiente para mostrar o talento da autora, então com 24 anos. Seguiram-se mais três peças e um roteiro para televisão. Psicose 4h48 é a reunião de anotações que Sarah Kane fizera antes do suicídio, em 1999. Muitos consideram o texto a expressão dos processos concretos e/ou internos que a dramaturga vivenciara em seus internamentos em hospitais psiquiátricos.


Independente das circunstâncias em que foi escrito Psicose 4h48 sustenta-se como poesia e como teatro. Mantem a dramaticidade sem subjugar-se ao drama enquanto forma. Trabalha ritmos, sonoridades, repetições, narrativas, lirismo, coralidade na linhagem dos melhores textos não mais dramáticos. Comunica e pede interlocução com o público e o leitor. Permite que se crie junto com ele a obra de arte. É generoso na medida em que não define personagens nem determina uma geografia. Acolhe a subjetividade de cada um, sua compaixão, sua busca pelo amor, suas dúvidas quanto à própria sanidade e adequação num lugar e num tempo que, muitas vezes, parecem insanos.


(Adélia Nicolete)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Através de me pertencer




Contas...

Contas...

Contas...

Aviso de banco...

Propaganda das boas...

Propagandas bestas ...

Boleto bancário,

Boleto bancário,

Boleto bancaaaÁríiiio...

Telegrama de cobrança

Revista embalada em plástico negro

Risadinhas abertas, riso fechado

Quando o destinatário é percebido...

Ele tem quase oitenta anos!

Choco e me retardo

continuo

Carnes de seguro

Manual do proprietário

Anúncios de jornal de bairro

Revista de descontos do cartão de credito,

Lista infindável de envelopes,

Onde eu organizo minuciosamente

Mente

E esta me restringe e paro no patamar de uma escada empoeirada e cinzenta, perco a mão

Todos os envelopes se esparramam,

Contas, contas, contas, manual, anúncios...

Boletos bancários,

Risos ao fundo, rio também...

E uma dor cega e pesada me arde no peito,

Penso num enfarte, mas não é tão grave no físico, é na alma

Fico tomado por algo inusitado, uma falta de vontade me atinge no meio da alma, seria depressão?

A secretária da seção se abaixa e me ajuda a recolher os envelopes, me entrega, passa a mão no meu ombro numa atitude solicita e apaziguadora...

Pressente o mesmo

Sinto que pressente

Sei que guarda todos os cartões de amigo secreto que recebe na gaveta, envolto numa fitinha rosa. Paralisado e sob o olhar de um supervisor, reúno o material organizo de novo de novo, oras...de novo!

E o medo toma conta, choro

Uma angustia dolorida e consigo dar passos

Como um luto que vai tomando conta da gente sem que a gente saiba porque se está tão triste, mas no fundo eu tinha certeza dessa tristeza...

... tanto tempo...

A avó- viúva não tem mais netos??

A solteirona não tem mais fãs?

O tio da mãe me observa todo dia

Não tenho tempo em pensar no que não foi enviado.

Mas as pernas não se mexem, encosto na parede fria e uma sensação de melhora desamarga a boca, por segundos.

O vomito vem de longe, de uma saudades inexplicável.

Limpo na manga do uniforme a angustia, paro perto do bebedouro, pego a água bochecho, cuspo no ralo cheio de pó insistente.

Verifico os envelopes, continuam intactos! Que bom, minha fraqueza não os atingiu...


A menina da travessa 25 me abana a mão. Respondo com aceno também. O dono do bar oferece um café, agradeço apontando o estomago...

D. Aurora da Vidigal 33 pergunta como vou... olha nos olhos e diz:

_ A vida está te doendo?

Sorrio cinza, as lágrimas rolam e o momento congela.
Como explicar a dor no peito, para uma mulher que venceu o câncer, sem marido e filhos? Como soube? Seus envelopes ... esses delatores, me contam tudo.

Dei a velha desculpa do estomago e ensaiei um sorriso beócio, aquele assim meio Monalisa.

Entreguei os envelopes

Sorriu de volta e me ofereceu um botão de flor. Aceitei.

Um gesto iluminador.

Sol mediano, minha dor menos intensa, mas na alma o toc toc da porta da percepção atuando, poucos metros mais e termino a ronda nesse setor do bairro.

O colega anterior, gordo como um Rino, não agüentou as subidas... mas se continuasse venceria a gordura, já viram funcionário do correio gordo?

Caminhada iluminadora.

A dor não passava, mas já intuo o que vem me acertar como um raio.

Cleonice da Orla Matos, 189, chega junto ao portão com um sorriso tão grande quanto o decote, já escapei dela umas vinte vezes, mulher assanhada.

Rio sozinho, busco ofertar meu sorriso, e entrego o envelope grande com o que penso ser as apólices de seguro da patroa. Cleonice sorri.

Cleonice me encanta, se tiver coragem e a dor no peito passar, roubo essa mulher pra mim, além do mais já me disseram que cozinha bem demais.

Corro, com os últimos envelopes do dia, o cachorro de dona Adriana, vem me cheirar, a vontade de dar um chutinho de leve é grande, mas no fundo os cães só cumprem a sua função como eu, programado para colocar nos buracos ou mãos esperançosas os envelopes comuns.

Pronto, eis ai a tal percepção angustiante de novo...

Não quero mais servir de transporte pra envelopes, quero entregar cartas...

Agitado demais, atravessa a rua como louco, entregar cartas, cartas além mar,

Cartas de louvor,

De descoberta, de aproximação

Cartas delatoras

Cartas com emoção, cartas que gritam afetos

Cartas que pedem perdão

Cartas cheirosas e vincadas,

Cartas das fãs ardorosas,

Cartas de saudades e paixão

Cartas de habilitação .... (risada aguda)

Cartas narradas e poéticas,

Cartas para atletas, CARTAS PESSOAIS

Cartas navais,

De emergência

Cartas de ocorrência,

Cartas de fusão

Cartas de emancipação

Cartas de alforria, A L F O R R I A

Chego ao correio e pego o malote seguinte,

Ajunto os envelopes, numa pilha bem bonita,

O vomito sobe, JUNTO com a pilha

Porem não sai, pego a tesoura e minha

Agora franqueza, atinge em cheio a pilha de cartas,

Perfuro a todas e uma a uma


o supervisor atônito, paralisado

pelo ato não percebe que o álcool da funcionaria já estava esparramado, toco fogo no monte, inclusive no ralo de pó


Saio gritando com o fogo se espalhando, a dor desaparecendo por completo. O peito agora canta

O fogo da paixão...la la ia....

Enquanto saio tranqüilo, o fogo alastra, alastrando a impetuosidade desse sentir. Repito ao segurança do portão

EU QUERO CARTAS DE AMOR

Ele sorri pra mim, sem entender, e responde tímido: eu também! EU TAMBÉM!

Sorrimos!

Saio em direção da Orla Matos, 189, quem sabe chego a tempo do almoço?

Mas antes compro flores afinal esse romantismo ainda

me pertence.

ME PERTENCE...



(Texto inspirado nos conteúdos do Ciclo de Estudos)

Elaine Perli Bombicini

Junho invernal.


terça-feira, 15 de junho de 2010

Fragmento Bruto



Devido à falta de tempo para sistematizar o que você havia me comunicado, atrasei a resposta alguns segundos, eu diria que não estou nesse mundo, porém venho dizer-lhe sobre a tal máquina que tanto está te causando problemas.
A sugestão é: conduza-a de tal modo que ela possa produzir seu intelecto cada vez melhor, mais rápido e com eficiência. Para isso alimente-a de 6 em 6 horas no mínimo, se não o fizer pode apresentar quase a inutilidade. Apague-a durante 8 horas, mantenha sua temperatura por volta dos 36 graus, portanto não o esquente, conserve em lugar agradável, se por ventura passar dos 36 graus algo pode estar errado e precisa ser anatomicamente revisado, analisado, e corrigido, para isso existem arquivos que os mesmos escreveram. Sem menor dúvida você deve ter acesso. Em casos graves não o abra sem tomar as medidas seguras cabíveis, pois o produto poderá estragar.
Não grite nem o agrade muito, poderá entrar em estado de irritação ou relaxamento, respectivamente, levando a resultados indesejáveis como a improdutibilidade. Quanto a pergunta que você havia me feito cuide com mais cautela do que está no ápice do corpo, onde em alguns pode haver pelugem.
Conduza-a em seu proveito, para isso use da comunicação para produzir esperança, poder e controle, mas em medidas controladíssimas. Eles sentem comoção, que traz consigo certa fragilidade incontrolável, varia de gênero para gênero. É contaminável. Medidas profiláticas: não os deixe muito perto, junto, próximo.
São autodestrutíveis.
Os gêneros podem se atrair ou repelir sem regra definida.
São propensos à conflitos físicos ou racionais, corte.
Não há devolução em caso de defeitos mais complexos. Alguns saem fora da linha de produção, esses destrua. Como identificar: à definir, na dúvida, destrua.
Não se deixe guiar pelo que pronunciam.
Eles são desagradáveis e perecíveis.

Ass: fragmento do bruto.

(Caroline Cunha Duarte)

segunda-feira, 14 de junho de 2010

"Homens não são máquinas. Eles tem amor próprio"





O título deste post remete às frases inscritas num cartaz utilizado em manifestação após a sequência de suicídios ocorridos numa fábrica chinesa. Quem assinava o cartaz era a organização denominada “estudantes e pesquisadores contra os maus tratos (abusos) corporativos”.

Foi impossível não relacionar a imagem à obra de Heiner Müller, de quem iniciamos análise de Mauser em nosso Ciclo de Estudos da Dramaturgia Contemporânea. Homens não são máquinas, ou não deveriam ser, porém a mão do soldado na peça de Müller era também seu revólver (e vice-versa), ele mesmo se tornara máquina de matar – descontrolada, inconsciente. A revolução, ela mesma, também se tornara máquina, refém de um modelo de conduta que não permite desvios, dilemas, ponderações, mudanças.


De certa forma o sistema de produção capitalista (já analisado em nossos estudos sobre a pós-modernidade, sobre B. Brecht e mesmo na leitura de Para acabar com o julgamento de Deus, de Antonin Artaud), é também um mecanismo a criar um contingente de homens-máquina. Segundo Lucas Mendes os operários chineses da empresa Foxcomm cumprem uma jornada de 11 horas diárias, por quase duas semanas sem folga. “Dormem nove em cada dormitório, mal sabem os nomes dos companheiros de quarto, só comem no bandejão da empresa. Qualquer tipo de lanche fora das horas de refeição é proibido.” O limite de hora extras na China é de 36 horas por mês, mas lá muitos fazem 112 horas. Tudo isso para receber US$ 1 por hora.


O jornalista acrescenta que “estas condições do capitalismo chinês parecem piores do que os das empresas inglesas descritas por Marx e Engels, aqueles dois críticos do capitalismo selvagem inglês do século 19.” Um dos casos de suicídio foi o de Ma Chiangquian, “que discutiu com o chefe e, como castigo, foi limpar privadas. Em depressão e absolutamente infeliz, saiu da fábrica pela janela do nono andar.”


O carrasco de Mauser não queria morrer. Condenado pelo tribunal da revolução suplicou pela vida (inutilmente), queria ter tempo de chegar ao conhecimento, de comprovar que a sua luta valeu a pena e a revolução foi vitoriosa. No caso dos operários chineses, a escolha pela morte pode ser encarada como um sacrifício pelos que ainda vivem. Para que possam (possamos) chegar ao (re)conhecimento de que “Homens não são maquinas, eles tem amor próprio”, dignidade, valores, princípios que precisam e devem ser respeitados.


Transcrevo abaixo íntegra de notícia publicada no site do jornal Folha de S. Paulo no dia 27 de maio último. Nela é possível identificar um enredo já pronto, que certamente despertaria ideias em Brecht e Müller:


"Mais um trabalhador da fabricante de eletrônicos Foxconn, de Taiwan, se suicidou, apenas horas após o presidente da empresa, Terry Gou, ter anunciado a introdução de benefícios aos funcionários da empresa.

De acordo com a agência de notícias Xinhua, o mais recente suicídio foi de um jovem de 23 anos, que trabalhava na Foxconn havia cerca de um ano e se atirou do sétimo andar do prédio onde ficava seu dormitório às 23h20 desta quarta-feira.

Esta foi a 12ª tentativa de suicídio entre funcionários da fábrica da empresa na província de Shenzen neste ano - em duas ocasiões, as pessoas que se jogaram para a morte sobreviveram.
Segundo a Xinhua, este último suicídio veio poucas horas após uma rara visita de Terry Gou à fábrica acompanhado por jornalistas chineses e ocidentais.
A Foxconn - que fabrica o iPhone, da Apple - emprega mais de 700 mil pessoas. Mais de 400 mil delas trabalham na fábrica da empresa na província de Shenzhen, na China continental.
"Estou muito preocupado com isso. Eu não consigo dormir à noite", disse Gou, um dos empresários mais conhecidos de Taiwan.

"Do ponto de vista científico, eu não estou confiante que vamos conseguir impedir todos os casos. Mas como um empregador responsável, temos de assumir a responsabilidade de impedir o maior número de casos possível", disse ele.

Gou disse aos jornalistas que estavam sendo instaladas redes para evitar que mais pessoas pulem para a morte.

As redes estão sendo colocadas ao redor de praticamente todos os dormitórios e prédios do imenso complexo, que, de acordo com o correspondente da BBC em Xangai, Chris Hogg, "é uma verdadeira cidade, com lojas, postos de correio, bancos e piscinas de tamanho olímpico".
"Apesar de parecer uma medida estúpida, pelo menos pode salvar uma vida se mais alguém cair", afirmou o presidente da Foxconn.

Gou também disse que iria reajustar os salários dos funcionários nas próximas duas semanas e financiar a implementação de um hospital para fornecer terapias profissionais para os trabalhadores.

Setenta psicólogos foram contratados para dar aconselhamento aos funcionários.
"Nós também estamos treinando nossos empregados para se tornarem conselheiros voluntários. Mais de cem funcionários receberam o treinamento e nós esperamos que o número cresça para mil em um mês." Pactos 'anti-suicídio' Ativistas na vizinha Hong Kong vinham realizando protestos, pedindo que a população boicotasse a empresa deixando de comprar iPhones, como forma de pressionar a fábrica por melhorias nas condições de trabalho.
Eles afirmam que as jornadas de trabalho são longas, as linhas de montagem têm uma velocidade muito alta e os chefes aplicam uma disciplina militar para lidar com os trabalhadores.
De acordo com jornais chineses, a companhia agora obrigou os funcionários a assinar acordos declarando que não vão se suicidar.

A companhia ressalta que apesar da publicidade negativa, todos os dias cerca de 8 mil pessoas se candidatam para trabalhar na empresa.

A Apple, que criou e vende os iPhones, disse que vai avaliar a forma como a Foxconn está lidando com a onda de suicídios e vai continuar inspecionando as fábricas onde seus produtos estão sendo manufaturados."

http://noticias.uol.com.br/bbc/2010/05/27/mais-um-funcionario-de-fabricante-chines-de-iphone-se-suicida.jhtm


Heiner Müller nos propõe um diálogo com os mortos. Com isso ele vislumbra uma reflexão sobre o passado, seus fatos, personagens, obras, na tentativa de compreensão do presente e, quem sabe, sua transformação.


Essa sequência de suicídios ocorrida na China clama pelo diálogo. O silêncio desesperado daqueles operários é grito, alta voz, a incomodar e a pedir uma interlocução. No nosso caso, em forma de arte.


(Adélia Nicolete)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Mensagens sublinhadas




Olá Carol. A respeito do que conversamos, algo que me deixou muito pensativo foi a questão da mídia controladora, e pensar que além de dar informações desnecessárias ela nos bombardeia com seus produtos milagrosos que podem “resolver” os nossos problemas, e que quase sempre depois de pouco tempo de uso vira lixo acumulado, esse lixo quase nunca tem seu destino correto, gerando as várias calamidades que vemos nas reportagens, um bom exemplo são as enchentes. Eles nos fazem consumir todas essas porcarias, sem pensar em uma forma de reciclagem, e depois que o caos está armado, usam isso para mostrar a nós mesmos o mal que nós fazemos ao planeta, é super pós moderno usar um celular ou um computador de ultima geração, mas para onde vai isso tudo depois? Será que tudo isso pode ser reciclado? Eles nos fazem comprar sem pensar nas conseqüências prometendo o fim dos problemas, sendo que eles mesmos geram a bagunça em que vivemos. Tudo isso é esquecido com o controle da mídia, é só colocar mais um reality show e tudo está resolvido, hoje é comum cuidar da vida dos outros, se vemos a pessoa na TV uma semana já é o suficiente para dizermos se ela é uma pessoa boa ou má.

Outra coisa bem interessante são os programas que supostamente ajudam as pessoas de rua, etc. Isso é o máximo, você ajudou as pessoas, faz sua doação de dez reais e a sua consciência limpa, e quando passamos por uma pessoa que realmente mora na rua não temos coragem de ajudá-la. A grande pergunta é: para onde vão esses milhões que eles arrecadam todo o ano com esses projetos que dizem ser sociais? Se fizermos um cálculo de quanto já arrecadaram desde os primeiros programas até hoje, acho que daria pra ajudar todas as crianças e os moradores de rua do Brasil! Mas isso nunca é visto, e mais uma vez eles colocam a vida de alguém pra julgarmos e assim esquecemos tudo outra vez.

Muito grato pela paciência e até a próxima aula! Claudio


(Cláudio Wendel da Silva)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Esboço de Teatro IV - Um encontro








































BK está a direita do palco, BR na esquerda do palco.
Uma escada está aberta no meio do palco.

BK: O homem sofre porque não sabe que está vivo.
BR: O homem sofre porque dói estar vivo.
BK: Então o que é viver para você?

(pausa)

BR: Muitas vezes é um prato de sopa.
BK: Com cenouras boiando?
BR: Não há cenouras. Sempre são as carnes que boiam.
BK: Os bois não bóiam.
BR: Não, bois não boiam, bois mugem e obedecem ordens. Se ninguém fizer nada logo nascerão acéfalos.
BK: Búcéfalos acéfalos! Se fossem cavalos, claro! (pausa) Mas são cavalos também.
BR (para o público): Cavalos dão coice. (pausa) Então são cavalos sim.
BK: Gostam de dar coices no escuro.
BR (ficando de quatro, para o público:) Agora sou um cavalo, e vou comer, galopar e procriar. Estou indo até meu dono pedir um pouco de sua comida.

BR imitando um cavalo vai até BK. BK assustado sobe na escada.

BK: O que você quer?
BR (muito nevoso): Cavalos não falam, você como meu dono tem que adivinhar.

(Pausa)
BR ameaça dar um coice na escada.

BK: Não faça isso! O que você quer?
BR (para o público:) Está ficando com medo. O que está em cima tem medo do que está em baixo, basta o de baixo agir.

BR ameaça dar outro coice na escada.

BK (tirando do bolso um papel todo escrito:) Cavalos gostam de grama que é celulose, este papel é celulose, Acho que ficará satisfeito com o papel.

BK lentamente e com medo leva o papel até a boca de BR que deixa cair no chão.
BR ao invés de comer o papel, ele lê.

BR: Este papel não posso comer, aqui está escrita toda a verdade do mundo.
BK: Vejo que você não é tão cavalo. Leia para mim.

A luz se apaga e tudo fica na escuridão.
Ouve-se um relincho de cavalo.


(Bárbara do Amaral)

Esboço de Teatro III

Mais um texto a várias mãos, desenvolvido via internet, por alguns dos componentes do nosso Ciclo a partir do estudo de Samuel Beckett.









A: (olhar pasmo) Esse Beckett viu?!!!

B: Só nos trouxe mais dúvidas, para as perguntas que ainda não tínhamos elaborado.

C: Foi preciso dois capacetes sobre rodas pararem o fluxo diretivo (movimento circular com as mãos e um soco no ar) na delegacia central, para que o tempo não urgisse tanto e lêssemos o tal do texto (sem pleonasmo) por mais de uma vez. (pausa longa)

A: (desanimado) Isso é muito caótico cara. Leio e não entendo.

B: (olhar distante e voz animada) Acho que se encenássemos poderia dar uma comédia e tanto, ia ser engraçado.

C: (pensativo, segurando o texto) Com vários diálogos fora da situação, um certo senso apocalíptico!

D: Seríamos responsáveis pelo nosso próprio parto (cara de espanto) renasceríamos.

A, B, C e D: atemporalmente!!!!

A: (tossindo) morbidamente sensível?? (pausa demorada) (suspiros do restante do grupo)

B: E desde quando as rubricas são sensíveis? (indignado)

D: (Voz alterado e irritado) sensíveis?? (afirmando categoricamente e gesticulando efusivamente) Elas são controladoras, mandam em tudo, desde o ritmo até no possível efeito sobre o público, desse caos ... (pausa pra respirar e se recompor)

C: (fora da cena) acho que o caos se instalou novamente.

As, Bs, Cs e Ds: (todos procurando o caos) Onde? Onde? Onde?

(Longa pausa)

A,B,C, e D olham para a porta. No lado oposto entra Hertz. Hertz olha para os outros quatro, pega uma das folhas de A e começa a ler em voz alta

Hertz: Vejamos: " No meio da noite busco o caos - busco a fonte das palavras que faltam nessa meia-luz (pausa) trêmula, chegando aos fim antes de iniciar meus escritos."

A,B,C e D continuam no olhando a porta.

Hertz: " Quem pode continuar a escrever nas linhas tortas? Posso fechar os olhos, mas ninguem vem" (pensativo) e as palavras ficam por aqui.

Hertz caminha pelo espaço.Olha para os quatro.

Hertz: Poderia passar anos aqui. E ninguem entenderia...(senta-se) contemplando a espera dos quatro.


(Elaine Perli Bombicini)

(Mariana França)




sexta-feira, 4 de junho de 2010

Franz Xaver Kroetz


Outro autor estudado no Ciclo de Estudos da Dramaturgia Contemporânea foi o alemão Franz Xaver Kroetz. Dele analisamos Alta Áustria, e o texto abaixo é a tradução que fiz de parte de um artigo publicado no livro Nouveaux territoires du dialogue, cuja referência encontra-se no final do post.






FRANZ XAVER KROETZ
(Nascido em 1946)

Se, desde seus primeiros sintomas, a crise do diálogo é construída sobre a ideia de que as relações intersubjetivas e o uso plenamente eficaz da palavra já não bastam, Franz Xaver Kroetz tratou de articular esta problemática ao status social de suas personagens, marginais ou gente simples que ele denomina “sub-privilegiados”. Kroetz recusa igualmente o modelo político de um teatro em que a personagem popular demonstra um perfeito domínio do instrumental linguístico da elite, metafísico, de um teatro no qual a sujeição a essa linguagem constitui um dado humano em si. Influenciado por Marieluise Fleisser1 e Ödön von Horvárt2, a dramaturgia kroetziana liga diretamente a opressão social à alienação linguística. Toma lugar, então, na cena, aquele que o dramaturgo denomina “proletariado de pessoas privadas de palavra, resultado extremo do capitalismo da educação que, não contente em explorar suas vítimas, ainda reforça o 'silêncio' que se torna característico desses verdadeiros burros de carga.”3

Uma das especificidades do diálogo kroetziano reside, assim, no lugar exacerbado que o silêncio ocupa. Ele não remete mais a uma reserva de sentido rica o suficiente para dar suporte à explicitação, delimita, isso sim, as fronteiras contra as quais a palavra não cessa de tropeçar. Contra a convenção dramática da 'loquacidade', Kroetz elabora, com efeito, diálogos precários e “esburacados” onde o laconismo parece não tomar outra forma senão o mutismo radical, ou, no caso de rubricas extensas, quando somente o corpo pode exprimir satisfatoriamente o mal-estar das personagens. Dessa valorização do silêncio participa a invasão das 'pausas', 'tempo', 'longo tempo' e 'grandes intervalos' os quais Kroetz designa frequentemente a duração escrupulosamente cronometrada em suas rubricas. Este processo de dilatação explica, por exemplo, que o diálogo de Trabalho em domicílio, equivale, segundo o autor, a uma peça de teatro 'normal' de meia hora, mas deve durar 'noventa bons minutos'. Localizados nas falas ou entre elas, esses silêncios sublinham a impotência da palavra, seus empecilhos, seus bloqueios ou suas síncopes. Sendo assim, eles efetivamente travam a dinâmica dialógica, e os tradicionais 'interlocutores' dão lugar àqueles que Kroetz chama de 'surdos-mudos'.

Contudo, seria incorreto reduzir o empreendimento kroetziano de desconstrução do diálogo à hipertrofia de um ponto de suspensão4. Como um efeito dramático, o silêncio não se faz ouvir tão somente na ausência literal da palavra, mas também nos vazios que se revelam quando elas são proferidas. A inflação de um discurso indireto que não se percebe mais como tal (provérbios, slogans, lugares-comuns) se encarrega então de destacar o fenômeno de espoliamento linguístico a que são submetidos os sub-privilegiados. A palavra, longe de manifestar aquilo que é próprio da personagem, longe de exteriorizar sua interioridade, assinala uma expropriação, a interiorização de influências exteriores que ditam seu discurso: “cada um constrói a própria felicidade”, “quem procura acha” (Train de ferme), “antes comer bem que sonhar mal” (Alta Áustria)... Remetendo à imagem falaciosa de uma realidade sem história e sem classes, essas máximas emprestadas do senso comum são outros tantos véus que impedem a personagem de analisar seu lugar no mundo e de encarar as condições de sua transformação. A presença de frases de efeito e de expressões chiques participa igualmente dessa expropriação e provoca, pelos efeitos de estranhamento que produz, o abismo que separa a fraseologia dominante de seus usuários ocasionais.
(...)
Cegos às causas políticas de seus problemas, as personagens (mais frequentemente um homem e uma mulher) reproduzem entre si as relações sociais de opressão, recusando-se a reconhecer esse fenômeno, resistentes à sua formulação. No entanto essa resistência está inscrita no coração da escritura, de modo que o fosso que separa os protagonistas não cessa de produzir deslizamentos secretos, e o diálogo, trespassado por brechas e obstáculos, permite que surjam argumentos quase imperceptíveis que caberá ao espectador elucidar.

Certamente os procedimentos aqui anotados correspondem a um período circunscrito da obra de Kroetz. Depois de Concerto à la carte (1972), peça escrita na forma de rubrica e que marca o ponto alto de suas pesquisas em torno do silêncio, ele experimenta novas formas, como a da elaboração de uma dramaturgia que ele chama 'do primeiro passo', que se debruça sobre o duplo caminhar dos personagens rumo à tomada de consciência e à apropriação da língua (O ninho, 1974). Experimenta também a exploração de uma verborragia convulsiva e transbordante (Terras mortas, 1984). No entanto, são suas primeiras peças que encontraram mais eco no teatro contemporâneo na medida em que reformulam a questão complexa da representação dramática da palavra popular, e expõem um diálogo subordinado aos ditames ideológicos e às condições sociais que acabam por destitui-la de seus últimos poderes.

1Dramaturga e roteirista alemã (1901- 1974). (N.T.)
2Escritor e dramaturgo austro-húngaro (1901-1938) (N.T.)
3Como no original: “bêtes de somme”/burros de carga. Talvez no sentido de levar o capitalismo nas costas, mantê-lo por meio de seu trabalho, de seus sub-empregos.
4Suspensão entendida aqui como interrupção, adiamento, retardamento. (N.T.)


TALBOT, Armelle. Franz Xaver Kroetz (né em 1946). In: RYNGAERT, Jean-Pierre. (org) Nouveaux territoires du dialogue. Arles : Actes Sud-Papiers, 2005. p. 107-111. (tradução de Adélia Nicolete)