segunda-feira, 25 de abril de 2011

Fim de Ciclo





Encerramos aqui a segunda fase de nossos trabalhos de estudo e criação dramatúrgica.
Um ano se passou desde o Ciclo de Estudos, que foram seguidos pelo Ateliê de Dramaturgia e, neste ano, a prática de Dramaturgia na Pós em Teatro da FAINC.
A imagem que escolhi para representar esse momento é o buquê de noiva sobre as duas cadeiras – foto de uma das cenas apresentadas pela turma da Pós.

Creio que ele simboliza bem o final de uma etapa, já conhecida, e o início de outra, ainda misteriosa. São sonhos e apostas que fizemos e continuaremos fazendo daqui pra frente em relação ao teatro e ao mundo contemporâneo. Leituras de arte, identificação de como ela nos afeta, apropriação dos modos como podemos transformá-la em palavras que irão à cena, exibidas, e tocarão olhos, ouvidos e emoções de quem nos der a honra da assistência.

Até breve.
Adélia Nicolete

sábado, 9 de abril de 2011

Martina


Fernando Burjato - Sem título - acrílica sobre mdf, 30 x 45 cm. 
2006


Duas da manhã.
Falta luz.
Martina resolve ensaiar piano.
(Ela não precisa de luz: um teclado são tiras justapostas com algumas balizas aqui e ali. Os dedos enxergam)
Eu, que preciso de olhos, permaneço imóvel.

Martina toca e o som que ressoa no apartamento parece atravessar as paredes e derramar-se no prédio inteiro. As notas escorrem pelas escadas, cruzam a avenida, cobrem a mureta da praia e misturam-se ao mar. Sinfonia.
Outra camada espessa de som pavimenta as ruas do bairro, carregando consigo homens, mulheres, táxis, feito esteira rolante.

Não preciso de olhos. A dança-vertigem me leva e eu giro, e giro, e giro.

Peço pra que a luz não volte. 
Pra que Martina toque até seus dedos sangrarem e,
ao escorrer
                  pelas
                          escadas,
                                         o som vermelho
                                         amanheça o dia.


(Adélia Nicolete)


(Este texto, em primeira versão, foi baseado na apreciação descrita na postagem anterior. A proposta foi de um relato com, no máximo, 15 linhas, em primeira pessoa, escrito em até 30 minutos.)



2ª versão (escrita em janeiro de 2013)



Madrugada.
Falta luz.
Martina resolve ensaiar piano – teclados são tiras justapostas com alguns sinais aqui e ali: os dedos enxergam
Eu, que não toco, permaneço imóvel.

..... … . . .. . . ....

As primeiras notas alcançam meu peito
e é incrível o modo como me atravessam
preenchendo a sala e
habitando os móveis e
não podendo mais de tanto som
transbordam pelo vão das portas
alcançando o
cor
re
dor....... … .. . ….. . … …. …. ….

Madrugada.
Martina e sua música escorrem pelas escadas,
andar por andar.
Penetram os sonhos das adolescentes,
confortam o sono dos moribundos,
iludem o vigia
que destranca a porta pensando que o Anjo chegou mais cedo.

Livres, cruzam a avenida, cobrem a mureta da praia e misturam-se ao mar.
Sinfonia
que embala os enamorados na areia
e faz o mundo girar
girar
girar
girar.. .. .. .. .. .. .. . . . . . . . .


Que a luz não volte

pra que Martina toque até seus dedos sangrarem e

alcançando o horizonte

o som           vermelho                     amanheça                                      o dia.




sexta-feira, 8 de abril de 2011

Fernando Burjato - Galeria Virgílio



Peço licença aos participantes e leitores desse blog para, eu mesma, me arriscar no ateliê.
Hoje, 8 de abril de 2011, me propus uma apreciação um pouco diferente. Em vez de uma obra, uma exposição. E não uma exposição apenas, um evento.
Um evento que começou quando coloquei os pés pra fora da estação do metrô Clínicas, desci a rua Teodoro Sampaio, vi a exposição de Fernando Burjato na Galeria Virgílio, continuei descendo a rua, tomei o metrô novamente na estação Faria Lima e só terminou quando coloquei os pés no trem, da estação Tamanduateí, de volta pra casa.

Me propus a apreciação (que segue em forma de anotações nesta postagem) e a criação de um texto (que segue na postagem seguinte), exatamente como fazemos no ateliê.

As obras que ilustram essa postagem são de Burjato, paranaense de 39 anos, radicado em São Paulo. O artista faz mestrado na UNESP, onde tive o prazer de conhecê-lo e, a partir de então, trocar figurinhas sobre artes plásticas.




8 DE ABRIL DE 2011
Notas de um evento

  • A rua começa num hospital e num cemitério – doença e morte. É tão longa que muda de personalidade conforme desce: instrumentos musicais, móveis, roupas, sapatos
  • Entro numa loja de livros e é como um portal. Mergulhos que nos desviam. Sumidouros.
  • A exposição está integrada ao trajeto – no meio da Teodoro ela se esconde
  • Tintas que escorrem pelas bordas, mostrando as camadas e a espessura das cores
  • Lembro das cores de Albers
  • Lembro dos plásticos coloridos que colocávamos na frente das tevês preto e branco
  • Dá para perceber as pinceladas e os depósitos de texturas entre uma camada e outra
  • Nos repousos, no escuro, resíduos se depositam na tinta e não conseguem se soltar mais. No dia seguinte nova camada. Asfalto.
  • Quantos verdes para se chegar a este Verde?
  • Experimentos de cores e sensações
  • Materialidade
  • E se pudéssemos descascar as telas? Camada por camada, numa espécie de flashback. Que segredos estariam ali contidos?
  • Há uma tela magenta (Púrpura? Fúcsia? Vinho? Grená?) que guarda traços antepassados: caminhos, vestígios, placas tectônicas. É como a pele.
  • Cores que se irmanam.
  • Cores que têm de se suportar, uma ao lado da outra. Que se confundem, se mesclam
  • A tela menor lembra aquelas máquinas de pintura dos parques de diversão. A gente joga as tintas e a máquina gira, gira, gira, gira e a tinta junto, formando círculos de cores indefinidas
  • Estação Faria Lima: entro e me sinto em Londres – lapso de tempo
  • Esteiras do metrô Paulista – paralelas em direções diferentes, como as telas do Fernando - tiras mudam de cor, gradações, como a esteira rolante
  • Modernidades
  • A exposição é o trajeto / O trajeto é a exposição / A exposição e o trajeto
  • Pavimentação das ruas e das telas: detritos, dejetos
  • Tela: rua em miniatura, acesso a desconhecidos
  • As listras das telas nas paredes das estações
  • As cores que convivem como pessoas
  • Alguém toca piano na estação Tamanduateí. As teclas são as tiras das telas. Os sons são as cores.



segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Texto de Rafaela A. M. de Souza





Este texto é uma contribuição espontânea da Rafaela, inspirado em nossa observação sensível da obra de Luiz Sacilotto e seu entorno.




1. O que você quer comigo?  Não foi a mesma que me mandou embora!

2. Sinto sua falta... Porém quando me lembro de tudo que aconteceu, a merda de vida que você vive hoje, não me arrependo de nada!

1. Você é louca se hoje sou o que sou é tudo por sua causa! Eu sinto ódio de você! Some da minha frente agora...

2. É cada ato tem a suas consequências, e você teve o que mereceu, escolheu trocar-me por uma simples obra de arte, se é que posso nomear assim.

1. Sempre amei a arte e não deixaria por nada neste mundo! Lembra a frase que não me cansava de dizer? Essa:
- Obras de arte não são notadas porque não estão em destaque: elas ficam inseridas num contexto urbano tão poluído visualmente que perdem sua força.

2. Contexto, poluição é algo que você vem vivendo hoje, na merda! Essa arte te levou a ser um lixo, desabrigado, alguém que nem as crianças possam ter compaixão, você nunca me deu atenção, sempre buscou essa força que lhe trouxe simplesmente a fraqueza...

1. Você é uma tola não sabe mesmo o que diz!

2. Posso até ser uma tola, louca o que achar melhor, mas sempre te amei de verdade, por isso arranquei você da minha vida.

1- Se me amasse de verdade não me jogaria nas ruas, cresceríamos juntos, mas não fez então some daqui. (Gritando)

2-Só vim pra dizer que estou grávida e infelizmente você é o pai. (Pausa e choro)

1. O que? Está louca! O lixo e desabrigado conseguiu lhe presentear com a melhor das artes que possa existir!

2. Não vejo como o melhor vindo de você! Mas sei que agora preciso do pai do meu filho...





Recomeçar - Texto de Rafaela A. M. de Souza




1. Ei você!  O que leva neste saco? Porque está sentado neste banco?

2. Em meu corpo tudo doí, braços,pernas, cabeça e sinto os membros se- desfalecendo aos poucos...(Grito) Aí eu não aguento mais esta vida!

1.Calma! Mas me diga o porque está aqui?

2. Sabe, eu era um grande artista, fazia belas obras, ainda me lembro do cheiro dessas esculturas e da única frase que soa em meus ouvidos dia após dia.
-Obras de arte não são notadas porque não estão em destaque.(pausa)Ele abaixa a cabeça..."Ficam inseridas num contexto urbano tão poluído visualmente que perdem sua força".

1. Nossa imagino como se sente! Eu também já perdi muitas coisas nesta vida, mas contínuo a jornada,lá no final saberemos o porque de tudo isso.

2.Mas quem é você? E porque está falando comigo? Saí daqui eu não te conheço!

1. Eu sou a esperança! Volte a sonhar e não deixe de chegar ao topo.

2. Esperança, isso não existe! O que é isso?O que estou fazendo aqui?

1.Você deve completar o caminho, não desista!

2.Eles acabaram com minha esperança, não acredito nisso,odeio todos vocês!

1. Deixe de pensar neles e pense em sí, você pode muito mais do que pensa, prossiga!

2. Arte me ensinou a jamais recuar. Mas porque eu estou aqui? De onde eu vim, para onde eu vou?

1. Não sei! Mas sei que ainda a um caminho a trilhar, continue...





Trecho - Texto de Ana Claudia Lima


(Foto: Adélia Nicolete)


(Acúmulo de vozes, o barulho de rua deve ser mantido por toda a cena)
-Pega, pega, pega... esse é meu...solta aí...é meu, pô! Solta.
-É seu nada, quem disse?
- Eu tô dizendo... Me dá, por favor!
-Olha aqui, moleque. Eu corri, eu arrebentei o chinelo, eu cheguei primeiro, então...
-E daí? Eu escolhi as cores, eu cortei, eu colei, eu fiz tudo. Então é meu. (Tenta pegar da mão do outro)
-Cala a boca, seu merdinha! ( Dá as costas e sai)
- Num manda eu calar a boca não, que você num é meu pai. E num dá as costas pra mim que eu tô falando com você!( Corre atrás do cara)
-Quê que cê qué? Sai fora. (Empurra o moleque)
-Ei... você me machucou. Você vai vê só...
-Quê que é, cê tá me intimando? (Empurra a cara do moleque)
( As pessoas se juntam e comentam o que veêm)
-E se eu tiver? ...
(Pausa)
-Ah, seu bosta!!!
(O moleque corre e o cara vai atrás. As pessoas começam uma oração entoada em diferentes línguas e vão atrás dos dois)






Texto de André di Peroli


(Foto: Adélia Nicolete)


SEGUNDA VERSÃO
(refeita após sugestões e comentários dos colegas de aula)


Um casal em frente a uma escultura de ferro enorme.

- Ferrou, amor! Não é aqui!
- Como não é? A recepcionista disse por telefone que era em frente á uma escultura enorme de ferro pintada nas cores brasileiras e que foi feita por um artista lá do Brasil.
- então, estamos perdidos! Olha aqui em volta: prédios, pessoas, prédios, pessoas... tudo cinza! Nada verde e amarelo... nem colorido...
- calma, amor. Vamos perguntar pra alguém.
- Pergunta você!
- please... please... you... help! (pausa) Help! Perdidos!
- Brasileiros?
- Sim! Brasileiros de São Paulo!
- Que beleza! Baiano! Da Bahia mesmo! Tão perdidos, tão?
- Tamos!
- Sabe, moço, me disseram que ele estaria em frente a uma obra de arte brasileira... mas até parece que eu vou ficar prestando atenção nessas coisas, né? Mas deixa pra lá!(pausa) E compras? Onde é bom pra comprar aqui? Você chegou aqui faz tempo, né? Ai, quero comprar tudo! Me conta tudo!

Saem os 3 brasileiros andando e conversando animados como velhos amigos andando pelo caos da cidade desconhecida.




Estresse - Texto de Miriam Dias de Oliveira



(Foto: Adélia Nicolete)


Homem – Ohhhh! Mulher. Está acelerada! Vamos combinar? Enquanto faz as compras com as crianças, faço minhas coisas e encontro vocês naquele negócio quadrado, triangulo, sei lá.

Mulher – Nada disso! Você não dá atenção para nós na semana e além do mais prometeu ficar com a gente.

Mulher – Não me olhe com essa cara!

Homem – Tá bem! (com cara de estressado e irritado, resmunga) único dia para descansar e eu aqui na Oliveira Lima com a família.

Mulher – (depois de 1h entrando em lojas) Sr. Estressado! Pode fazer suas coisas que daqui 2 horas nos encontramos na obra do Sacilotto.

Homem – Saci o que? Onde fica isso?

Mulher – Prefiro ouvir essa do que ser surda! A obra do Sacilotto meu bem! (tom sarcástico) o quadrado – Tchau!

Homem – (estressado e gritando) onde você andou! 3 horas de atraso...

Mulher – Já sei tá estressado.

Homem – 3 horas esperando vocês (tom de sarcástico)

Mulher – 1 hora atrasada. O que fez?

Homem – fiquei aqui olhando as imperfeições. E aqui consegui olhar para dentro de mim. É fácil ver, o difícil é entender. (dizendo sarcasticamente para a mulher com um olhar fulminante).

        

Luiz Sacilotto - Concreção 8474 - têmpera rhodopás sobre tela fixada em duratex
70 x 70 cm - 1984

Invento sentido - Texto de Tátila Colin


(Foto: Adélia Nicolete)


O texto abaixo é uma contribuição espontânea de Tátila Colin inspirado na observação sensível que fizemos da obra de Luiz Sacilotto e do entorno.


Retomando a vida. Vento nos meus cabelos, sol no meu olhar. Eu preciso quebrar a porta sem ferir meus dedos. O vento leva as gotas para longe. O cheiro da terra seca vermelha era diferente. O sol esquenta e dói. Eu destruí a porta. As fendas ainda doem. Eu não saí do lugar. - Mamãe, sabia que eu mudei de medo?...Eu ainda sinto o cheiro dela. Distante, vazia, grossa, quadrada, velha. Porque eu deixei que isso acontecesse?. Eu ainda acredito que lá é meu lugar. Ele escreveu sem saber do céu. Eu... sequei esvaziei, não me movi. Cansei. Quero qualquer coisa, qualquer lugar. Vento! O vento busca meu corpo quando eu estou em mim. Deixa aí no chão. Eu faço parte daqui. Sol! Vento nos olhos apertados. A falta dói e o relógio insiste em funcionar. O vento cessou. Não quero sair para voltar. O vento dança com meu sangue. Meus passos vão saudade vã. Eu vento buscando meu corpo quando estou em mim.



Desprazer - Texto de Tátila Colin


(Foto: Adélia Nicolete)


- Para de falar merda e me dá isso aqui.
- Você não vai conseguir montar.
- Ontem a Lúcia me ligou.
- Pro outro lado.
- Me disse que ta com saudade e não sabe como eu ainda te suporto. Ai que troço chato!
- Porque você não manda à merda¿
- Manda você! É seu!
- É mentira, né?!...Da Lúcia?...Ah!!!Consegui montar o verde!!!!
- Mentira!!! Ai que droga!
- Você é idiota? Tudo que você coloca a mão você estraga!
- Me dá um abraço...?





Luiz Sacilotto - Estruturação com elementos iguais - essmalte sobre madeira - 40 x 73 cm - 1953


domingo, 27 de fevereiro de 2011

Puta - Texto de Mariana C. de Lima



Luiz Sacilotto - Concreção 005 - 2000 - escultura em aço carbono pintado, 4 m de altura
(Foto: Adélia Nicolete)




- Ainda tem muito sangue escorrendo...

cheiro de cigarro. vento. ajeita as pernas. traga o cigarro lentamente.

-Odeio esse cheiro...E se eu fechar mais um pouco as minhas pernas?

o coro atravessa a rua como na marcação de uma cena de teatro.

- Talvez com um salto mais alto...

joga o cigarro no chão. Fala enquanto pisa na bituca

- Hoje vai é ter promoção! Seis vezes sem juros...

gargalha. ventania.

- Já reparou que eu sou que nem essas árvores? Também tô enterrada aqui nessa imundice...

o vento lança as folhas secas para o chão.
o vento lança a saia da moça para o céu.

- O vento só busca meu corpo quando eu estou em mim.

cessa a ventania.
 
- Hoje ninguém me quer. Até eu odeio esse cheiro...



Luiz Sacilotto - Concreção 8215 - têmpera vinílica sobre tela fixada em duratex 
80 x 80 cm - 1983



Texto de Mônica dos Santos


(Foto: Adélia Nicolete)



- Esse barulho de buzina é ensurdecedor... Irritante!
 

- Pior é o tinido do disco de freio... (pausa) Fecho meus olhos e imagino o pé no freio do ônibus. (pausa) Ele já é meu companheiro. Faz parte dos meus sonhos...

VOZ DE MEGAFONE: E, no entretanto, após cada ilusão perdida...
Que extraordinária sensação de alívio!1
(Pausa)
- Ontem eu vi! Você percebeu também? (pausa) O homem ruivo, a morena...
- Perto daquele saco de lixo grande?
- (olhos fechados) Ele deu um beijo nela, daqueles!!! Parecia até novela...
- E ela?! (indiferente) Olhou para o vestido da vitrine (pausa).
- Estava apaixonada!

VOZ DE MEGAFONE: E os dois trocaram um beijo
- frio
como um beijo de esqueletos... 2
(Pausa)
- Tá ouvindo o barulho? (Pausa) Lá vem ele de novo. (Fecha os olhos e ouve)
- Barulho de quê? (Pausa) Do beijo?
- Brecada, lembra? O pé no freio.
- (Fecha os olhos) O ruivo beijou a morena.
- Definitivamente... você sonha demais!



1 QUINTANA Mário, Das ilusões. In: Mario Quintana de bolso. Porto Alegre: L&M Pocket. 2009.

2 QUINTANA Mário.Hai-kai da última despedidaI. In: O livro dos Haicais. São Paullo: Globo, 2009.













Texto de Tércio Emo


(Foto: Adélia Nicolete)


- Carlos você é meu amigo, parceiro. Mas para com isso agora.
- Não consigo evitar
- Nunca pensei que lhe daria conselhos amorosos. “O Carlos” sempre foi bem resolvido. Tem de tudo.
- Ter tudo? Mas não tenho nada. Meu trabalho em primeiro plano. Sabem meu nome, mas me conhecem?
- Eu conheço.
- Conhece mesmo?
- Conheço?
- Sou grande / estou imóvel / no meio caminho /  MAS NINGUÉM ME VÊ.
- Carlos para de drama
- Carlos você é meu amigo, parceiro. Mas para com isso agora.
- Não consigo evitar
- Nunca pensei que lhe daria conselhos amorosos. “O Carlos” sempre foi bem resolvido. Tem de tudo.




Luiz Sacilotto - Concreção 7553 - oleo sobre tela - 52,5 x 75cm - 1975


Pausa para a teoria - O uso das reticências




Após verificar que em muitos dos textos postados aqui as reticências eram recorrentes, a colega Mônica dos Santos, formada em Letras pela USP, enviou a contribuição abaixo a respeito do uso das reticências na Língua Portuguesa.


Com relação as suas reticências gostaria de fazer alguns esclarecimentos (que acredito que serão pertinentes a todos nós):

1. Quando falamos em criação artística existe algo muito importante chamado licença poética, que nos permite subverter completamente alguns usos ditos corretos da gramática normativa, desde que haja uma intenção por traz disso (vide Saramago, Flaubert, Proust, Dalton Trevisan, dentre outros
2. Transcrevo aqui algumas indicações sobre o uso das reticências presentes livro “Nova gramática do Português Contemporâneo” (Celso Cunha), Editora Contemporânea, 2001:
As RETICÊNCIAS marcam interrupção da frase e, consequentemente, a suspensão da sua melodia
1) Empregam-se em casos muito variados. Assim:
a) para indicar que o narrador ou personagem interrompe uma ideia que começou a exprimir, e passa a considerações acessórias [...]
b) para marcar suspensões provocadas por hesitação, surpresa, dúvida ou timidez de quem fala
- Homem, vê... Pensa bem no que vais fazer... – avisou o prior
- Raquel é boa rapariga... Mas a geração... Olha, eu não digo nada, Resolve tu...
(M. Torga, NCM, 142)
- Você... tão sozinha... Não lhe ocorre, muitas vezes, que se um homem... Não tem vontade de casar-se...
(O. Lins, V, 19)
- Eu... eu...queria... um agasalho – respondeu soluçando a miserável.
(Graça Aranha, OC, 164)

c) para assinalar certas inflexões de natureza emocional (de alegria, de tristeza, de cólera, de sarcasmo,etc.):
- Há tempos que eu não chorava!... Pois me vieram lágrimas..., devagarinho, como gateando, subiram... tremiam sobre pestanas, luziam um tempinho... e ainda quentes [...]
(Simões Lopes Neto, CGLS, 128)

d) para indicar que a ideia que se pretende exprimir não se completa com o término gramatical da frase, e que deve ser suprida com a imaginação do leitor:
[...]


2) Empregam-se também para reproduzir, nos diálogos, não a suspensão do tom de voz, mas o corte da frase de um personagem pela interferência da fala do outro:
- A senhora ia dizer que...
- Nada... nada... – atalhou a mulher.
(A, M. Machado, HR, 15)
[...]
3) Usam-se RETICÊNCIAS antes de uma palavra ou de uma expressão que se quer realçar:
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...
[...]


Observações
1.ª) Como os outros sinais melódicos, as RETICÊNCIAS têm certo valor pausal, que é acentuado quando elas se combinam com outro sinal de pontuação.
[...]
b) como sinal melódico (ponto de interrogação, ou ponto de exclamação, ou os dois conjugados. Neste caso, as RETICÊNCIAS, prolongam a duração das inflexões interrogativa e exclamativa e lhes acrescentam certos matizes particulares, que indicamos ao estudarmos aqueles sinais.
2.ª) Não se devem confundir RETICÊNCIAS, que tem valor estilístico apreciável, com os três pontos que se empregam, como sinal tipográfico, para indicar que foram suprimidas palavras no início, no meio ou fim de uma citação.
Modernamente, para evitar qualquer dúvida, tende a generalizar-se o uso de quatro pontos para marcar tais supressões, ficando os três pontos como sinal exclusivo das reticências.


PARA FINALIZAR GOSTARIA DE REFORÇAR MAIS UMA VEZ A IMPORTÂNCIA DA INTENÇÃO DO AUTOR NO QUE SE REFERE AO USO DA PONTUAÇÃO.
A GRAMÁTICA NORMATIVA É IMPORTANTÍSSIMA PARA NOS ORIENTAR, ENTRETANTO ELA NÃO PODE NOS ENGESSAR. PRECISAMOS CONHECÊ-LA NÃO PARA APLICARMOS "LEIS", MAS PARA TERMOS MAIS SUBSÍDIOS PARA A NOSSA ESCRITA.

Observação: Na "Nova Gramática do Português Contemporâneo" de Celso Cunha não existe nenhuma restrição quanto ao uso de letras minúsculas após as reticências (acredito que não há uma norma específica com relação a isso)

Texto de Aretha Gasparini


(Foto: Adélia Nicolete)


 Vermelha ou preta?
Te espero na porta da loja.
Está bem eu vou rápido.
(Demora horas decidindo entre as calças e vai ao encontro daquele que estava a sua espera.)
Vamos! O jogo vai começar.
Não serviu. Eu me sinto uma bola.
(Beija seus lábios com ternura. Neste instante olha apaixonadamente para um vestido vermelho na vitrina e começa a imaginar-se usando o vestido como uma ferramenta de sedução para atrair o seu amor.)
Vou experimentar.
Espere! (Para e amarra o cadarço do tênis, acompanhante espera na ânsia de segurar sua mão. Saem de mãos dadas romanticamente.)
Vamos rápido, quero ver se me serve.
O jogo vai começar, vamos rápido.
(Entra na loja para experimentar o vestido.)
Eu te aguardo aqui no bar vendo o jogo.
(Sai meia hora depois e encontra sua companhia no bar,lhe dá um beijo e diz.)
Não serviu, deve ser inchaço. Vamos embora.
(Ouve o grito de gol do time adversário.)




Pomba - Texto de J. A. de Lima


José Antonio de Lima (o autor do texto) integrado à obra de Sacilotto
(Foto: Adélia Nicolete)


(...)
- Ela não perde a pose!
- É, ela não perde a pose!
- Dá dó! Não chama atenção... Banal!
- Às vezes, até voa... Aponta para o espaço, indica a direção, aceita o espaço... E vai!
- Coitada, de tão suja já nem sabe mais a cor!
- Mas há cor, ainda!
- PRETA!
- Talvez... Se... Lavassem...
- Impossível! Não se lava isso, é contra a natureza dela! Se a lavarem, aí é que ela não voa nunca mais! (Ri).
- (Com um leve sorriso) Ah! Voa... Sempre voa! Quem a compreende sabe que voa!
- (Leve sorriso) Mas pra quê, compreendê-la? Não há necessidade disso...
- Ah! É Claro que há! Ela é parte da cidade! É como... Um abrigo que já foi violado... Ela pertence a todos e mesmo assim ninguém a tem!  Alimentam-se dela todos os dias e nem a sabem!
- (Rindo) Imagina, Você está doido, amigo! É  ela que se alimenta da cidade... Ela... É linda! É Pura arte!
- Pra mim, é Pomba!
(...)



A pomba na obra
(Foto: Adélia Nicolete)

Texto de Juliana Flamínio


(Foto: Adélia Nicolete)


(Blackout. Forte barulho de algo que cai no chão. Sirenes. Luzes se acedem devagar)


Foi a senhora que chamou o resgate ?

Sim. Moro aqui na frente, vi quando ele pulou.

O senhor pode me ouvir ? Qual o seu nome ?

As lâmpadas apagadas refletem falsos anjos. São todos feios, sujos e tortos.

O senhor consegue sentir as pernas ? Onde o senhor mora ?

Aqui mesmo. Fica o dia todo perambulando por essa praça.

Ninguém me vê... Tenho medo.

Não precisa ter medo, vamos levá-lo até o Pronto Socorro central... Tem algum familiar que queira avisar ?

Acho que não... ele diz que é sozinho nesse mundo.

Quero ir pra casa ficar com Deus !

(Um clarão intenso toma conta do palco)




Luiz Sacilotto - Concreção 9770 - têmpera vinílica sobre tela - 90 x 90cm - 1992