segunda-feira, 25 de abril de 2011

Fim de Ciclo





Encerramos aqui a segunda fase de nossos trabalhos de estudo e criação dramatúrgica.
Um ano se passou desde o Ciclo de Estudos, que foram seguidos pelo Ateliê de Dramaturgia e, neste ano, a prática de Dramaturgia na Pós em Teatro da FAINC.
A imagem que escolhi para representar esse momento é o buquê de noiva sobre as duas cadeiras – foto de uma das cenas apresentadas pela turma da Pós.

Creio que ele simboliza bem o final de uma etapa, já conhecida, e o início de outra, ainda misteriosa. São sonhos e apostas que fizemos e continuaremos fazendo daqui pra frente em relação ao teatro e ao mundo contemporâneo. Leituras de arte, identificação de como ela nos afeta, apropriação dos modos como podemos transformá-la em palavras que irão à cena, exibidas, e tocarão olhos, ouvidos e emoções de quem nos der a honra da assistência.

Até breve.
Adélia Nicolete

sábado, 9 de abril de 2011

Martina


Fernando Burjato - Sem título - acrílica sobre mdf, 30 x 45 cm. 
2006


Duas da manhã.
Falta luz.
Martina resolve ensaiar piano.
(Ela não precisa de luz: um teclado são tiras justapostas com algumas balizas aqui e ali. Os dedos enxergam)
Eu, que preciso de olhos, permaneço imóvel.

Martina toca e o som que ressoa no apartamento parece atravessar as paredes e derramar-se no prédio inteiro. As notas escorrem pelas escadas, cruzam a avenida, cobrem a mureta da praia e misturam-se ao mar. Sinfonia.
Outra camada espessa de som pavimenta as ruas do bairro, carregando consigo homens, mulheres, táxis, feito esteira rolante.

Não preciso de olhos. A dança-vertigem me leva e eu giro, e giro, e giro.

Peço pra que a luz não volte. 
Pra que Martina toque até seus dedos sangrarem e,
ao escorrer
                  pelas
                          escadas,
                                         o som vermelho
                                         amanheça o dia.


(Adélia Nicolete)


(Este texto, em primeira versão, foi baseado na apreciação descrita na postagem anterior. A proposta foi de um relato com, no máximo, 15 linhas, em primeira pessoa, escrito em até 30 minutos.)



2ª versão (escrita em janeiro de 2013)



Madrugada.
Falta luz.
Martina resolve ensaiar piano – teclados são tiras justapostas com alguns sinais aqui e ali: os dedos enxergam
Eu, que não toco, permaneço imóvel.

..... … . . .. . . ....

As primeiras notas alcançam meu peito
e é incrível o modo como me atravessam
preenchendo a sala e
habitando os móveis e
não podendo mais de tanto som
transbordam pelo vão das portas
alcançando o
cor
re
dor....... … .. . ….. . … …. …. ….

Madrugada.
Martina e sua música escorrem pelas escadas,
andar por andar.
Penetram os sonhos das adolescentes,
confortam o sono dos moribundos,
iludem o vigia
que destranca a porta pensando que o Anjo chegou mais cedo.

Livres, cruzam a avenida, cobrem a mureta da praia e misturam-se ao mar.
Sinfonia
que embala os enamorados na areia
e faz o mundo girar
girar
girar
girar.. .. .. .. .. .. .. . . . . . . . .


Que a luz não volte

pra que Martina toque até seus dedos sangrarem e

alcançando o horizonte

o som           vermelho                     amanheça                                      o dia.




sexta-feira, 8 de abril de 2011

Fernando Burjato - Galeria Virgílio



Peço licença aos participantes e leitores desse blog para, eu mesma, me arriscar no ateliê.
Hoje, 8 de abril de 2011, me propus uma apreciação um pouco diferente. Em vez de uma obra, uma exposição. E não uma exposição apenas, um evento.
Um evento que começou quando coloquei os pés pra fora da estação do metrô Clínicas, desci a rua Teodoro Sampaio, vi a exposição de Fernando Burjato na Galeria Virgílio, continuei descendo a rua, tomei o metrô novamente na estação Faria Lima e só terminou quando coloquei os pés no trem, da estação Tamanduateí, de volta pra casa.

Me propus a apreciação (que segue em forma de anotações nesta postagem) e a criação de um texto (que segue na postagem seguinte), exatamente como fazemos no ateliê.

As obras que ilustram essa postagem são de Burjato, paranaense de 39 anos, radicado em São Paulo. O artista faz mestrado na UNESP, onde tive o prazer de conhecê-lo e, a partir de então, trocar figurinhas sobre artes plásticas.




8 DE ABRIL DE 2011
Notas de um evento

  • A rua começa num hospital e num cemitério – doença e morte. É tão longa que muda de personalidade conforme desce: instrumentos musicais, móveis, roupas, sapatos
  • Entro numa loja de livros e é como um portal. Mergulhos que nos desviam. Sumidouros.
  • A exposição está integrada ao trajeto – no meio da Teodoro ela se esconde
  • Tintas que escorrem pelas bordas, mostrando as camadas e a espessura das cores
  • Lembro das cores de Albers
  • Lembro dos plásticos coloridos que colocávamos na frente das tevês preto e branco
  • Dá para perceber as pinceladas e os depósitos de texturas entre uma camada e outra
  • Nos repousos, no escuro, resíduos se depositam na tinta e não conseguem se soltar mais. No dia seguinte nova camada. Asfalto.
  • Quantos verdes para se chegar a este Verde?
  • Experimentos de cores e sensações
  • Materialidade
  • E se pudéssemos descascar as telas? Camada por camada, numa espécie de flashback. Que segredos estariam ali contidos?
  • Há uma tela magenta (Púrpura? Fúcsia? Vinho? Grená?) que guarda traços antepassados: caminhos, vestígios, placas tectônicas. É como a pele.
  • Cores que se irmanam.
  • Cores que têm de se suportar, uma ao lado da outra. Que se confundem, se mesclam
  • A tela menor lembra aquelas máquinas de pintura dos parques de diversão. A gente joga as tintas e a máquina gira, gira, gira, gira e a tinta junto, formando círculos de cores indefinidas
  • Estação Faria Lima: entro e me sinto em Londres – lapso de tempo
  • Esteiras do metrô Paulista – paralelas em direções diferentes, como as telas do Fernando - tiras mudam de cor, gradações, como a esteira rolante
  • Modernidades
  • A exposição é o trajeto / O trajeto é a exposição / A exposição e o trajeto
  • Pavimentação das ruas e das telas: detritos, dejetos
  • Tela: rua em miniatura, acesso a desconhecidos
  • As listras das telas nas paredes das estações
  • As cores que convivem como pessoas
  • Alguém toca piano na estação Tamanduateí. As teclas são as tiras das telas. Os sons são as cores.